A 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais deu provimento ao recurso dos radialistas Cláudio César Fernandes da
Silva e Emerson Soares Santos no Processo 1.0512.11.001412-7/001.
Consta no voto da
Desembargadora Mônica Libânio Rocha Bretas:
Da detida análise
da degravação do programa de radio “Falando Sério”, acostada às fls. 10/27, não
verifiquei abuso do direito de liberdade de manifestação por parte dos
locutores, a justificar a condenação imposta aos Apelantes, a título de
reparação por danos morais, que o Apelado alega ter sofrido.
Incialmente, cumpre
destacar que a mídia exerce um importante papel no Estado Democrático de
Direito, sendo salutar a preservação do direito à livre manifestação aos meios
de comunicação.
Cabe ressaltar,
ainda, que os ocupantes de cargos públicos estão, especialmente, sujeitos a
críticas públicas, sendo fundamental que se garanta à população margem para
fiscalização e censura de suas atividades e condutas.
Feitas essas
considerações iniciais, passo à análise do caso concreto.
Da detida análise
da peça de ingresso, verifica-se que na causa de pedir narrada pelo Apelado,
foram citados os seguintes trechos da degravação, cujo conteúdo afirma ter
violado sua honra e moral:
(...) de que o
Warmillon teria autorizado o seu secretário de obras José Marcio Ligorio a ir
até a escola, onde estava os transmissores e retirar o transmissor da TV Rio do
ar ...e chegou a ameaçar por fogo na emissora. Muitas pessoas ficaram
amedrontadas, qual poder de fogo que essa pessoa tem pra poder fazer o que ele
ta pretendendo fazer... .
.... Uma pessoa que
não tem posição, você não sabe quem é na verdade essa pessoa. Esse veículo de
comunicação, não pode ser usado para manobras políticas inclusive de amedrontar
e colocar em risco a integridade física dos profissionais que estão trabalhando...
ele mesmo ligou pro funcionário da TV e disse olha se esta matéria não for pro
ar eu vou ai e coloco fogo em tudo porque eu sou dono, eu mando ...não me
interesse se ele é o dono, se ele não é, se ele é político, se ele é poderoso,
se ele é o cara, se ele não é. Quem for amigo do candidato do prefeito fica,
quem for amigo do Dju, de Indalécio, ta fora. É ou não é politicagem? Que o
cara é Deus, eu não admito, nunca admitir (sic) e não vejo essa condição
dele...
... e absurdo que
eles falam que vão tomar a radio de Marcelo! Olha que absurdo que os caras
falam, porque ai, você pergunta porque, o cara é poderoso, ele é o cara, ele é
Deus, ele vai tomar, ah!!! Vai tomar... vai tomar o que rapaz? – fls. 03/04
Registra-se que os
trechos acima transcritos foram retirados da inicial e não correspondem a
integra do que foi dito, tendo algumas passagem sido, convenientemente,
suprimidas, como, por exemplo, a parte em que o Locutor fala que tais fatos são
o que constam do inquérito policial.
Os fatos narrados
pelos radialistas, ao contrário do que consta do voto condutor, data máxima vênia, encontram amparo em
robusta prova testemunhal e documental constante dos autos.
O Boletim de
Ocorrência de fls. 117/118 apresenta o seguinte histórico da ocorrência:
Solicitados,
comparecemos a escola municipal Maria Rita Santos Braga (...) onde fica
localizado o aparelho de transmissão de TV canal 3 da emissora “Tv Rio”, sendo
que no local fizemos contato com o técnico André Eustáquio de Campos, que nos
relatou que na data de ontem no horário
entre 20:00h e 20:00h e 30 minutos (sic) percebeu que o sinal da transmissão
foi repentinamente interrompido (...); porém nesta data por volta de 08:00h da
manhã deslocou até o local e constatou que alguém furtou o mencionado
equipamento; (...)
Por sua vez, dos
Termos de Declarações de fls. 119/122, prestadas nos autos de inquérito
policial, constou:
(...) que o
declarante é eletrotécnico contratado pela Prefeitura de Pirapora para prestar
serviços na torre de transmissão de canis de televisão; Que na quarta-feira, 24
de março de 2010, estava em sua residência, quando recebeu uma ligação às 19:00
horas, do Prefeito Warmillon, (..) que lhe ordenou a retirada do transmissor da
TV Rio; que o declarante disse ao Prefeito que estava sem carro para ir até o
local, então este lhe disse que mandaria um carro lhe buscar; que José Márcio,
Secretário de Obras da Prefeitura, passou em sua casa e lhe pegou; (...) que o
transmissor fica dentro de uma escola estadual, situada no Bairro Sagrada
Família, e o declarante possuyi a chave do portão da escola e do abrigo onde
ficam os transmissores(...) – declaração prestada por Flávio Lopes de Souza.
(...) Que o
declarante é editor de imagens da TV Rioe no dia 24 de março de 2010 estava
editando matérias relativas à operação Piratinga, quando recebeu uma ligação do
Prefeito Warmillon (...), por volta das 17;00 horas; que o Prefeito Warmillon
lhe questionou acerca do modo como a operação iria para o ar, perguntando se
iria ser exibida a imagem da advogada que havia sido presa, Dra. Bethânia
Guimarães Costa e Silva; que o declarante disse ao ao prefeito que havia
recebido uma orientação de Marcelo, administrador da TV Rio, de não exibir o
rosto da advogada; Que o Prefeito disse ao declarante que era “dono da TV e
exigia que a imagem da advogada fosse para o ar, senão amanha não tem TV,
porque eu vô aí botar fogo”; (...) que o Prefeito ligou novamente para o
declarante e lhe perguntou acerca do que havia sido resolvido; Que o declarante
disse que não sabia e desligou o telefone; Que a matéria foi para o ar, sendo
que o rosto da advogada não foi exibido; que às 20:21 horas do dia 24 de março
de 2010, o Prefeito Ligou novamente para declarante e disse “que já havia
mandado por fogo no transmissor”; Que o declarante ligou para Jaques Pinto,
chefe do departamento pessoal da empresa, que confirmou que a TV estava fora do
ar (...) – declaração prestada por André Eustáquio de Campos.
No documento de
fls. 123/124, da lavra do Ministério Público de Minas Gerais, atestou-se que o
então Prefeito Warmillon, ora Apelado, deu ordem para a prática do crime de
furto, “(...) em razão da insatisfação do mandante com a matéria jornalística
veiculada naquele canal, acerca da operação Piratinga, da Polícia Federal, em
que não foi mostrado o rosto da advogada Bethânia Guimarães Costa e Silva,
adversária política do prefeito, presa durante a diligência policial realizada
em tal investigação”. Constou, ainda, do aludido documento:
Além da constatação
do crime, a documentação comprova que o prefeito é, de fato, dono da TV Rio,
fato este anunciado pelo próprio proveito ao editor de imagens do canal, André
Eustáquio de Campos.
Com efeito, ante a
evidência da prática de crime pelo prefeito municipal, remetam-se os documentos
anexos, bem como este despacho ao Dr. Elias Paulo Cordeiro, Procurador de
Justiça atuante na Procuradoria de Justiça de Combate aos Crimes Praticados por
Prefeitos Municipais, para as providências que entender pertinentes.
A prova testemunhal
emprestada dos autos do processo criminal 0512.11.000352-6, juntada às fls.
105/109, corrobora as declarações supratranscritas.
Nesse contexto,
entendo que o programa de Rádio “Falando Sério”, quando, através de seus
locutores, relatou a ameaça do prefeito de por fogo em tudo e tirar a TV Rio do
ar, o fez com amparo em provas substanciais, as quais, inclusive, serviram para
formar convicção do Ministério Publico acerca da prática de crime por parte do
então Prefeito.
Renovando vênia ao
eminente Relator, registro que não observei na degravação ofensas ao Autor,
cuja transcrição violaria a ética e a Justiça, sendo que na única passagem que,
a meu ver, houve excesso por parte do locutor, foi quando pronunciou a
expressão “ah! Vai tomar...”, que sequer foi completada. Não obstante, tal fato
não é capaz de repercutir na esfera íntima do indivíduo a ensejar-lhe o
recebimento de indenização a título de dano morais.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para
reformar a r. sentença e julgar improcedente o pedido inicial, condenando o
Autor, por conseguinte, ao pagamento das custas processuais, inclusive as do
presente recurso, e de honorários advocatícios, que arbitro em 15% do valor da
causa, já considerada a fase recursal (art. 85, caput, §§ 1º, 2º 3º e 11).
Consta no voto do
Desembargador Alexandre Santiago:
Analisando os
autos, verifico que houve dissenso entre o
posicionamento do ilustre Desembargador Relator e a em. Desembargadora
Primeira Vogal, o que provocou a aplicação do art. 942, do NCPC, com ampliação
do debate.
Pedindo venia ao Relator, no caso em julgamento,
diante das peculiaridades do processo, acompanho a divergência instaurada pela
eminente Desembargadora MÔNICA LIBÂNIO, a fim de dar provimento ao recurso para
julgar improcedente o pleito indenizatório.
Cumpre esclarecer
que a indenização por danos morais tem espeque constitucional, uma vez que a
Carta Magna assim dispõe:
Art. 5º - Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
V - é assegurado o
direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Entretanto, o
inciso IV do mesmo artigo constitucional referenciado garante, também, a liberdade
de pensamento, de forma que a questão posta em debate envolve o confronto de
dois direitos consagrados pela Constituição como fundamentais, a saber, a honra
e imagem do indivíduo e a liberdade de manifestação do pensamento.
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
É necessário, pois,
compatibilizá-los, de modo que as referidas garantias convivam harmonicamente,
sem impedir a imprensa de exercer a sua essencial função, de produzir, conduzir
e divulgar a informação à coletividade e tecer críticas e opiniões úteis ao
interesse social e, por outro lado, garantir o direito do cidadão de não ter
sua honra e imagem violadas, pela exposição excessiva ao público.
Desta forma, o
direito de informação e opinião inerente ao exercício da atividade jornalística
deve ser exercido de maneira comedida, sem que se extrapole a medida necessária
para atender ao seu fim social, e nos estreitos limites estabelecidos pela
legislação ordinária.
No caso dos autos,
conforme consta no voto da ilustre Desembargadora Primeira Vogal, os fatos
narrados pelo radialista encontram amparo em robusta prova testemunhal e
documental constante dos autos.
Consta no Boletim
de Ocorrência, fls. 117/188, que os policiais, ao comparecerem ao local,
apuraram que o equipamento de transmissão da TV Rio havia sido furtado.
O depoente Lucas
Fernandes Bernardes, ouvido no inquérito policial, às fl. 119/122, confirma que
o prefeito Warmillon Fonseca Braga, ora apelado, lhe ordenou a retirada do
transmissor da TV Rio.
A il. Promotora de
Justiça, às fls. 123/124, informa que o então Prefeito Warmillon deu ordem para
a prática do crime de furto.
Com arrimo na prova
dos autos, acompanho a divergência lançada pela em. Des. Primeira Vogal, por
entender que, quando o programa de Rádio “Falando Sério” relatou a ameaça do
Prefeito de por fogo em tudo e tirar a TV Rio do ar, o fez com amparo em provas
substanciais, inexistindo abuso no direito de opinião ou de imprensa a ensejar
a procedência do pleito indenizatório.
Por todo o exposto,
DOU PROVIMENTO AO APELO, data venia.
É como voto.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR
DANOS MORAIS – PROGRAMA RADIOFÔNICO – AGENTE POLÍTICO – LIBERDADE DE IMPRENSA –
INTERESSE SOCIAL – ABUSO NÃO CONFIGURADO – DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. A Constituição Federal
assegura, como direito fundamental, a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas (art.5º, X), bem como, a liberdade de expressão e informação
(art.220). Não tendo restado comprovado abuso por parte do veículo de
comunicação, que noticiou fatos com amparo em inquérito policial, não há que se
falar em direito à reparação por dano moral. O homem público deve estar
preparado para os questionamentos da imprensa e dos eleitores, não podendo
melindrar-se com informações sobre fatos que a opinião pública tem o direito de
conhecer.